O Governo Federal revogou na quarta-feira (27/3) o Decreto
que concedia a uma série de comissionados o poder de decretar sigilo em
documentos e dados públicos. O que parece uma vitória da sociedade no que diz respeito
a informação, na verdade demonstra a fragilidade da garantia que os cidadãos
têm para acessar dados e documentos sobre o seu próprio governo.
O cenário geral é de uma transparência que dá um passo à
frente, mas recua dois passos na sequência. A medida colocaria em xeque uma das
principais ferramentas da sociedade quando o assunto é transparência passiva.
Os episódios recentes que reforçam isso começaram em
janeiro, com o Decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB)
promovendo alteração no texto da Lei de Acesso à Informação (de 2012). Na
prática, Mourão resolveu dar poder para mais pessoas do governo tornarem
informações secretas ou ultrassecretas, inclusive uma série de comissionados,
cuja nomeação apresenta, via de regra, interesse político.
Assim, se antes apenas o presidente e seu vice, ministros,
comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica e pouco mais de uma dúzia de
altas patentes do governo poderiam dizer que uma informação é sigilosa, com o
Decreto, diretorias e presidências de empresas públicas e autarquias e mais uma
centena de comissionados passariam a ter o poder na ponta da caneta para
recusar acesso à informação. A medida demonstra o compromisso da atual gestão
com a transparência pública, abrindo as portas para a censura.
O recuo da presidência ao retirar o efeito do Decreto atende
muito mais uma tentativa de evitar que sua imagem de poder ante o Congresso
seja agravada. Isso porque a Câmara aprovou projeto que derrubava a medida de
ampliação do sigilo. Ou seja, foi após essa derrota que o governo decidiu dar
um passo atrás, antes que o projeto fosse também aprovado pelo Senado.
No meio desse cabo de força, a transparência pública acaba
sendo apenas uma ferramenta para que a Câmara demonstre ao Executivo que ele
vai ter que negociar, dialogar e até ceder para conseguir aprovar medidas no
Legislativo. E olha que a derrota no caso do Decreto foi por votação simples em
único turno. Em um futuro próximo, o governo espera aprovar projetos tão
polêmicos quanto o da alteração da Lei de Acesso à Informação, como Proposta de
Emenda Constitucional, com dois terços da Câmara e em dois turnos.
Deixando o jogo político de bastidores e de bancada de lado,
a mensagem que se passa é que uma canetada lá e outra cá são suficientes para
deixar à berlinda uma das instituições mais caras e fundamentais para a
democracia e para a gestão pública. O que agrava a situação é que afora uma
repercussão midiática decorrente da visibilidade dos primeiros atos e dias de
um governo, poucas manifestações sociais ou mobilizações foram notadas na
prática.
Uma voz seria silenciada sem ao menos uma pressão por
manutenção de direitos. Não se fere a transparência com um Decreto, nem se usa
o direito ao acesso à informação como um instrumento de barganha política. Se o
aparato legal é fundamental no suporte ao direito do cidadão ao acesso à
informação, o efetivo uso desta ferramenta é também um importante reforço do
seu papel na gestão democrática. Diante disso, o mínimo que se pode fazer é
promover a cultura da transparência por meio do acesso à informação, reforçando
o seu papel fundamental para o cidadão no acompanhamento e controle da máquina
pública.
Dessa forma, é possível reverter um quadro em que o País
ocupa o 27º lugar em uma lista de 123 países em uma avaliação sobre
transparência pública e acesso à informação. O levantamento, intitulado Global
Right to Information Rating, é realizado pelas ONGs Access Info Europe e Centre
for Law and Democracy. Apesar de apresentar pontuação máxima no acesso, o País
perde pontos ao recusar informações e deixa de ficar na frente no ranking
encabeçado por países como Afeganistão, México, Sérvia e Sri Lanka.
Quanto mais se consolida uma cultura de entendimento de que
o cidadão tem direito a saber o que o poder público está fazendo, mais fica
claro para servidores públicos, gestores e políticos de que o que eles produzem
de informação no exercício das suas funções é um patrimônio de todos e que deve
ser público.
Colaborador e Autor: Alexsandro Ribeiro é professor de
jornalismo no Centro Universitário Internacional Uninter.
Foto: Divulgação